sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Grande sexoconfusão - por Nuno Serras Pereira

Andam os grandes órgãos de comunicação social portugueses num grande alvoroço em virtude de suspeitas levantadas sobre o comportamento sexual de um, agora, Bispo. Tudo começou com uma reportagem de uma revista a qual relatou que um Sacerdote portuense, cerca de 30 anos depois do alegadamente sucedido, apresentou uma queixa na Nunciatura Apostólico sobre assédios de índole sexual de que terá sido vítima, por parte do, então Padre, director espiritual do seminário maior, o referido Bispo, recentemente guindado a um lugar de relevo na Cúria Romana. A mesma peça afirma que outras entidades receberam também queixas mais recentes de alegadas vítimas de avanços do mesmo prelado.

As declarações, ou a interpretação delas, de um outro Bispo e de um padre franciscano comentando a sobredita reportagem tiveram aparentemente o efeito de lançar gasolina à faísca produzida. Eu sei, por experiência, própria que é muito fácil manipular declarações com montagens de textos, edições sonoras e visuais – já fui vítima do mesmo, aquando da polémica sobre a negação da Comunhão Eucarística a quem publicamente advoga a legalização do aborto. Não saberei dizer, no entanto, se foi o caso mas posso adiantar que na conversa pessoal que hoje mesmo tive com o meu confrade sobre o assunto verifiquei que o que ele me contou sobre o mesmo estava muito distante do que apareceu nos media. 

Desconheço se a revista em causa terá ou não dados comprováveis sobre o tema, que possa ter guardado para os ir revelando progressivamente. O que para já se pode concluir, evitando temeridades e juízos precipitados, é que, por agora, só existem vagas suspeitas não demonstradas. Pelo que parecem muito assisadas quer as palavras da Conferência Episcopal: “Da sua veracidade (das acusações) não podemos nem devemos julgar apressadamente”; quer as do P. Lombardi, porta-voz da Santa Sé: "É uma pessoa que estimamos muito, que cumpre muito bem as suas funções no Conselho Pontifício da Cultura. Não me parece que haja um processo em curso contra ele, e portanto consideramo-lo com pleno respeito e plena dignidade … ”.

Do ponto de vista jurídico parece ser de uma dificuldade extrema ajuizar sobre um hipotético crime, ainda para mais sem testemunhas, ocorrido há trinta anos. Daí que tenha prescrito, há muito. Por outro lado, a expressão “assédio sexual” pode prestar-se a uma variedade imensa de interpretações subjectivas que a não serem objectivamente concretizadas se diluem e dissipam em ambiguidades impossíveis de avaliar.

Mas suponhamos que tal assédio se verificou de facto há trinta anos. Isso seria naturalmente de enorme seriedade, tanto mais considerando as circunstâncias agravantes: tratar-se de um Sacerdote, que se aproveita da sua ascendência e relação sacral, enquanto director espiritual e confessor da vítima. O traumatismo provocado na hipotética vítima, quem conhece casos semelhantes sabe-o, é extremamente violento e pode perdurar uma vida inteira. Este pecado objectivamente tremendo poderá (com isto não se afirma mas conjectura-se uma possibilidade), porém, não ter gravidade equivalente no perpetrador se a sua liberdade, em virtude de uma compulsão, estiver diminuída. Independentemente da responsabilidade/culpabilidade subjectiva, que ultimamente só Deus poderá julgar com toda a verdade, não se pode deixar de concluir que uma pessoa assim ou se converte, nada é impossível a Deus, ou deve abandonar o exercício do Sacerdócio ministerial. 

Tenho para mim que muitos membros da Igreja e da sua hierarquia pasmados com a novidade sedutora das ciências humanas, em concreto a psicologia e a psiquiatria, não desfazendo, esqueceram e puseram de parte a ascese, a mística, o poder da oração, dos Sacramentos, enfim, os meios de santificação que a Igreja sempre propôs e disponibilizou, e confiaram aos homens aquilo que só Deus pode remediar, embora as ciências possam coadjuvar, a conversão e a salvação dos homens. O resultado está à vista…

É preciso não esquecer que houve grandes Santos, nem todos evidentemente, que antes de se converterem foram grandes pecadores. E que alguns depois de uma vida de santidade caíram em pecados horríveis e detestáveis mas pela Graças de Deus se reergueram vindo a recuperar e a aumentar a Santidade perdida.

De qualquer modo, se hipoteticamente os assédios se prolongassem no tempo tornar-se-ia evidente a imperiosidade de recolhimento a um mosteiro, em vida de penitência e oração, ou mesmo a “redução ao estado laical”. Quer para salvaguarda dos fiéis e demais pessoas quer para seu próprio bem e salvação.

Convirá ainda recordar que se é verdade que a pessoa, independentemente do seu estado, que experimenta involuntariamente uma atracção ou desejo sexual desordenado por outras do mesmo sexo não peca por isso, o pecado consiste não no sentimento mas no livre consentimento, não se pode todavia dizer que isso seja equivalente à atracção por pessoas do sexo oposto. De facto, enquanto a primeira é objectiva e intrinsecamente desordenada a última é segundo a natureza da pessoa, concorde com a recta razão e as inclinações naturais. Enquanto a primeira tende a uma inversão destruidora do amor, da comunhão e da vida, a segunda, de si, é expressão do chamamento à Comunhão de Vida e Amor de Deus Trinitário. Daí que faça todo o sentido a determinação do Papa Bento XVI, retomando uma decisão do Papa Beato João XXIII, de não admitir às Ordens Sagradas do Sacerdócio pessoas que padeçam de atracções desordenadas, profundamente enraizadas, por outras do mesmo sexo (ver as consequências desastrosas nesta reflexão de Filipe d’ Avillez).

Consta que o Cardeal Patriarca terá dito a vários Padres da sua Diocese, antes de se saber da partida de D. Carlos para Roma, que deixassem de lhe falar, isto é, de tratar com ele. Como não terá dado mais explicações parece que se espalhou boato de que o Senhor Patriarca tinha afastado rudemente o seu Bispo auxiliar, dando azo a variadíssimas especulações fantasiosas, algumas das quais se faz eco a dita revista. O mais certo, porém, é que o Patriarca de Lisboa não podia, por então, declarar o que estava destinado a D. Carlos.

Para todos os efeitos todo o tumulto agora gerado deixa-nos perplexos. Eu, e creio que muitos outros, não tenho motivo algum para duvidar da declaração de inocência do Senhor D. Carlos; mas a verdade é que também não o tenho para suspeitar da queixa formulada pelo Sacerdote que o argúi. É verdade que já houve casos de Bispos e Sacerdotes que mentindo descaradamente clamaram a sua inocência; mas é igualmente certo que caluniadores astutos e sem escrúpulos foram causa de grandes desgraças para Sacerdotes e Bispos falsa e injustamente acoimados. Pelo que a prudência manda presumir a inocência até prova em contrário.

Temos, no entanto, que reconhecer que a reputação do Senhor D. Carlos sofreu uma violentíssima agressão que perdurará, por ventura, nos espíritos da opinião pública, mesmo quando inocentado, se for caso disso.

Não quereria terminar sem considerar ainda alguns breves tópicos:

   a) A impressão com que fiquei é que a revista dá como absolutamente confirmadas as suspeitas que levanta. Basta ver o título: “ A queda de um Anjo”. Não obstante, não apresenta provas. Onde estão elas?

   b) O periódico, citando com destaque declarações doutrinais do Bispo, procura desacreditá-las ao entremeá-las com uma suposta vida dupla que as desmentiria. Independentemente dessa hipotética vida em desacordo com a doutrina, esta não perde o seu valor nem a sua veracidade pelo facto de aquele que a anuncia a trair ou não estar à altura da mesma. Se assim fora nenhum membro da Igreja poderia anunciar o Evangelho e todas as suas exigências porque, com a excepção de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora, ninguém o vive na sua perfeição. Enquanto a pessoa conhece a verdade e reconhece que a trai, embora fraca não é hipócrita, e pode ser salva. Mas quem chafurda e em nome da coerência obstinadamente sufoca a verdade esse perder-se-á.

 A Igreja é um hospital e os médicos e enfermeiros que tratam dos enfermiços também adoecem e precisam de curas. Claro que devem ser qualificados e exemplares, e para isso o povo de Deus precisa de rezar muito por eles, mas terão sempre algumas mazelas. No caso evidentemente de doenças mais graves não poderão continuar a exercer contagiando os achacados em vez de os tratar.



c) Enquanto a Igreja denuncia as injustiças e imoralidades mas resguarda, através do Sigilo Sacramental e da recusa da difamação, as pessoas que as cometem (fala-se evidentemente daquilo que não é público nem notório), grande parte da comunicação social por vezes faz exactamente o contrário, publicita e promove a injustiça e a imoralidade e delata, quando não difama e calunia, factos reais ou imaginários que, segundo os seus próprios critérios, fazem parte da vida privada. Não que seja este o caso em apreço porque o assédio sexual, a ter existido, não é de modo nenhum do foro privado.


d) Na hipótese de se virem a comprovar as suspeitas  levantadas pela reportagem sobre os supostos assédios sexuais continuados ter-se-ia então que agradecer à revista o serviço prestado à verdade, que muito pode contribuir para a purificação da Igreja.